Rio - O contraventor Rogério de Andrade controla o jogo do bicho e a exploração de máquinas caça-níqueis na Zona Oeste. Com a morte do tio, Castor de Andrade, um dos maiores bicheiros do Rio nas décadas de 1970 e 1980, após sofrer um ataque cardíaco, em 1997, a herança dele foi dividida entre o sobrinho, o filho Paulo Roberto de Andrade, e o genro, Fernando Iggnácio. Desde então, eles travaram uma disputa pelo controle de pontos de contravenção, que provocou as mortes dos dois últimos.
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Nesta terça-feira (29), Rogério de Andrade foi preso em uma operação do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público (Gaeco/MPRJ), como mandante do homicídio qualificado de Fernando Iggnácio, em novembro de 2020. Em 2021, ele já havia sido denunciado e preso pelo crime, mas acabou solto, em fevereiro de 2022, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que alegou falta de provas do envolvimento do bicheiro no crime como mandante.
O bicheiro também foi investigado pela morte de Paulo Roberto, um ano após o pai, em 1998, executado com cinco tiros, na Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, Zona Oeste. Ele chegou a ser condenado como mandante do crime, em 2002, mas acabou absolvido, em 2013. Segundo investigações da Polícia Federal, a disputa pelo espólio entre Andrade e Iggnácio provocou as mortes de aproximadamente 50 pessoas, entre 1999 e 2007. A dupla chegou a ser alvo de uma operação da PF e os dois foram presos, em 2007.
Atentados
Ao longo dos anos de disputa, Rogério também foi alvo de atentados. O primeiro aconteceu em 2001, em um apart-hotel na Barra, mas a arma do atirador, um cabo fuzileiro naval da reserva, falhou. À época, ele apontou Iggnácio como mandante do crime.
Em 2010, uma bomba explodiu em um carro em que o bicheiro estava, quando estava parado na Avenida das Américas. Na ocasião, o filho dele, Diogo Andrade, de 17 anos, acabou morrendo.
Já em 2017, criminosos atacaram o contraventor e a mulher, Fabíola Andrade, a tiros, no momento em que eles chegavam em casa, em um condomínio de luxo, também na Barra. A companheira chegou a ser baleada e passou por cirrugia, enquanto Andrade sofreu apenas ferimentos leves.
Ligação com o tráfico e milícia e corrupção de policiais
A operação Calígula descobriu, em 2022, que a quadrilha comandada pelo contraventor expandiu os jogos de azar em áreas do tráfico de drogas e de milícias para aumentar seus lucros. Segundo a denúncia do Ministério Público, os "expressivos resultados financeiros" do grupo aconteceram a partir da conexão com outras organizações criminosas, bem como da corrupção de policiais. O acordo funcionava com Andrade cedendo aparato para o jogo do bicho e os criminosos dessas áreas ficavam com parte do dinheiro obtido com a instalação de máquinas caça-níqueis e de apostas.
A mesma operação prendeu a delegada Adriana Belém, denunciada por corrupção, por liberar máquinas caça-níqueis apreendidas. Ela teve a prisão preventiva decretada após agentes localizarem em seu apartamento, em um condomínio na Barra, quase R$ 2 milhões em espécie, escondidos em bolsas e sapatos de marcas de luxo. À época, o MP apontou o valor como um forte indício de lavagem de dinheiro, que significava que ela tinha ligação com a organização criminosa investigada.
A denúncia apontaou que o delegado Marcos Cipriano, também preso, intermediou um encontro entre Ronnie Lessa, Adriana Belém e seu braço-direito, o inspetor Jorge Luiz Camillo. A reunião resultou em um acordo que viabilizou a retirada em caminhões de quase 80 máquinas caça-níqueis apreendidas em uma casa de apostas. O pagamento foi providenciado por Rogério de Andrade. A delegada foi solta em outubro de 2022.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Andrade remunerava os integrantes da segurança de acordo com a patente militar. Os salários variavam entre R$ 5,6 mil, remuneração compatível a que recebe um soldado da PM, a R$ 7,6 mil, que é o vencimento aproximado de um oficial da mesma corporação.
Parceria com Ronnie Lessa
A parceria entre Rogério de Andrade e Ronnie Lessa, preso pela morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, é apontada nas denúncias como antiga. Há indícios que a ligação existe ao menos desde 2009, quando o ex-policial militar perdeu uma perna em um atentado à bomba que explodiu seu carro, época em que já atuava na segurança do contraventor. Em 2018, ano da morte da vereadora, os dois denunciados se reaproximaram e abriram uma casa de apostas no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca.
Segundo os investigadores, elementos indicavam a previsão de inauguração de outras casas na Zona Oeste do Rio. O bingo financiado por Andrade e administrado por Lessa, Gustavo de Andrade, filho do bicheiro, e outros comparsas, foi fechado pela Polícia Militar no dia de sua inauguração. No entanto, as máquinas apreendidas foram liberadas e a casa reaberta após atos de corrupção com policiais civis e militares. Por conta da conexão entre o bicheiro e o ex-PM, Rogério chegou a ser investigado como o possível mandante da morte da parlamentar e do motorista.
Mocidade Independente de Padre Miguel
Assim como Castor de Andrade, um dos fundadores da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa) e patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel, Rogério também tem grande influência no Carnaval carioca e é presidente de honra da escola de samba da Zona Oeste. A mulher dele, Fabíola Andrade, é rainha de bateria da agremiação.
Nos desfiles deste ano, quando ainda usava tornezeleira eletrônica e não podia sair de casa à noite, a presença do bicheiro foi especulada por internautas nas redes sociais, após uma pessoa fantasiada de castor aparecer ao lado da rainha de bateria. Contudo, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou, à época, que o contraventor estava em casa no momento do desfile e a localização dele foi comprovada pelo boletim de monitoração.
Operação Último Ato
Rogério de Andrade foi preso, na manhã desta terça-feira (29), durante a operação Último Ato, do Gaeco. O contraventor é apontado como mandante da morte de Fernando de Miranda Iggnácio, em novembro de 2020. Os agentes prenderam o bicheiro em casa, na Barra da Tijuca, e ele prestou depoimento na Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), na Cidade da Polícia, no Jacaré, Zona Norte. Segundo o MPRJ, o crime foi motivado pela disputa pelo controle de pontos do jogo do bicho.
Pouco antes das 8h30, depois de ser ouvido na especializada, Andrade foi levado para fazer exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) Afrânio Peixoto, no Centro do Rio, de onde seguiu para a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte. O Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) determinou que ele seja encaminhado para um presídio federal, para não atrapalhar as investigações. Até a transferência, ele ficará na penitenciária Laércio da Costa Pellegrino, Bangu 1, unidade prisional de segurança máxima.
Além do bicheiro, a ação também prendeu o policial militar reformado, Gilmar Eneas Lisboa, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, responsável por monitorar a vítima até o momento do crime.
Rogério e Gilmar Eneas foram denunciados à Justiça por homicídio qualificado e os mandados de prisão foram expedidos pelo Juízo da 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri. A ação teve apoio da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI/MPRJ). O crime aconteceu em 10 de novembro de 2020, no estacionamento de um heliporto, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, quando Fernando Iggnácio desembarcava, e acabou atingido por três tiros, um deles na cabeça.
Procurada, a Polícia Militar informou apenas que a Corregedoria Geral da corporação acompanhou a ação do Ministério Público, na qual um policial militar foi preso por envolvimento em um homicídio. A reportagem de O DIA tenta contato com a defesa de Rogério de Andrade. O espaço está aberto para manifestação.
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