Elisete (D) só conseguiu atendimento para o pai após ele desmaiar - Estefan Radovicz
Elisete (D) só conseguiu atendimento para o pai após ele desmaiarEstefan Radovicz
Por Bernardo Costa
Rio -  Com uma tipoia improvisada no braço e se movimentando com ajuda de uma bengala, Severino Francisco dos Santos, de 70 anos, mal conseguia falar de dor. O braço estava deslocado e o sofrimento era agravado pela peregrinação em busca de atendimento. Na quinta-feira, depois de ter sido recusado nas emergências dos Hospitais Federais Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, e do Andaraí — que alegaram falta de ortopedista —, ele lamentou.
“Parece que nenhum hospital está prestando”. O aposentado depende do Sistema Único de Saúde (SUS), que, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), recebe projetos de aprimoramento executados por hospitais privados de excelência.
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A contrapartida é a renúncia fiscal concedida pelo governo federal. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as isenções atingiram a cifra de R$ 3 bilhões, de 2012 a 2017.
Acontece que auditoria do TCU buscou verificar a compatibilidade entre o investimento realizado pelos hospitais de excelência nos projetos de apoio ao SUS e o valor das isenções fiscais recebidas por essas unidades. E concluiu que não houve, por parte do Ministério da Saúde e de entidades vinculadas, uma avaliação dos reais benefícios que possam ter sido alcançados pelos projetos do Proadi-SUS.
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Corpo clínico solicitou que Samu não levasse pacientes para o Andaraí - fotos de Estefan Radovicz
Os períodos analisados foram os de 2012-2014 e 2015-2017, do qual participaram as seguintes unidades de saúde de excelência: Hospital Albert Einstein (renúncia fiscal de R$ 1.387.592.319,83), Hospital Sírio-Libanês (R$ 731.329.714,20), Hospital Alemão Oswaldo Cruz (R$ 301.300.578), Hospital do Coração — HCOR (R$ 235.696.673,67), Hospital Moinhos de Vento (R$ 326.107.632,04) e Hospital Samaritano (R$ 216.529.252).
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Os projetos de aprimoramento do Proadi-SUS, contudo, parecem não surtir efeito para a crise na saúde fluminense. No Rio, as queixas de quem precisa do SUS para sobreviver se multiplicam. Severino, que teve atendimento negado nos hospitais Cardoso Fontes e do Andaraí, sofre diariamente com a falta de assistência.
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Na quinta-feira passada, ele caminhava amparado por um vizinho em direção a um ponto de ônibus depois da segunda tentativa frustrada. “Disseram que aqui também está sem ortopedista e nos mandaram procurar o Souza Aguiar ou o Salgado Filho (hospitais municipais no Centro e no Méier, respectivamente). Estou ajudando o Severino porque os parentes dele moram longe”, disse o colega Cícero Rodrigues de Souza, de 60 anos, também aposentado.
Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj), a emergência do Andaraí está sob intervenção ética, o que impede que novos usuários do SUS sejam admitidos em um ambiente inadequado para a assistência. Na última semana, os chefes de equipe do corpo clínico solicitaram ao Centro de Operações do SAMU que não levassem pacientes para a emergência do Andaraí.
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"Só se alguém levar um tiro ou for atropelado na esquina, aí colocam para dentro. Mas, fora isso, não estão atendendo", disse um médico que atua no hospital e pediu para não ser identificado. Segundo ele, os projetos do Proadi-SUS não são palpáveis. "Não há resultados concretos para que possamos afirmar que houve melhoria no atendimento de emergência ou ambulatorial, no fluxo interno de pacientes ou no número de consultas e de cirurgias", argumentou.
Emergência do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) vazia. Pacientes estão deixando de procurar unidade, que só está atendendo casos de risco de morte - Estefan Radovicz / Agencia O Dia
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No Hospital Federal de Bonsucesso, a situação é a mesma: emergência fechada com atendimento apenas em casos de risco de morte. Também na quinta-feira, o pai de Elisete Costa, de 48 anos, só conseguiu ser atendido lá depois de ter desmaiado na porta da unidade. "Ele tem câncer no esôfago e foi operado aqui.
Mesmo assim, não quiseram atender. Disseram que só em caso de morte. Até ele desmaiar. Aí internaram", contou.
Assim como no Andaraí, há um vazio no entorno da unidade de Bonsucesso. "As pessoas estão vendo nos jornais que as emergências estão fechadas e buscam outros locais. É triste ver essa estrutura às moscas", comentou Jeferson Santos, de 22 anos, garçom de uma lanchonete em frente ao Hospital Federal de Bonsucesso.

Ministério reformula gestão de projetos
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O relatório de auditoria do TCU sobre o Proadi-SUS resultou em determinação para que o Ministério da Saúde apresente um plano de ação para aprimoramento da gestão dos projetos. Após envio do plano pela pasta, o tribunal decidiu arquivar o processo e abrir um novo procedimento para monitorar o cumprimento das ações, ainda sem data para ser instaurado.
O DIA solicitou o plano de ação ao TCU, mas o órgão alegou que o documento não está público. Já o Ministério da Saúde informou que a gestão do Proadi-SUS vem sendo aperfeiçoada a partir de medidas
internas, regulatórias e de desenvolvimento de estratégias de controle e monitoramento.
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Entre essas ações, prossegue o ministério, está a criação do “Manual Técnico de Elaboração, Análise e Prestação de Contas dos Projetos”, para uniformizar e estabelecer diretrizes para melhor execução dos projetos.
Sobre o paciente Severino dos Santos, a pasta informou que ortopedia não faz parte dos serviços do Hospital Cardoso Fontes. E que, quinta-feira, havia três ortopedistas no Hospital do Andaraí.
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O Proadi-SUS continua em atividade. No triênio 2018-2020, o Hospital Samaritano deixou de participar do programa e, segundo a assessoria, foram executados cerca de R$ 290 milhões em projetos geridos pelo hospital que, ainda de acordo com a assessoria, tiveram as metas alcançadas.
Hospitais alegam contrapartida
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A assessoria que responde pelo Hospital Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital do Coração (HCOR) e Hospital Moinhos de Vento — que atuam no Proadi-SUS —, alegou que foram realizados 340 projetos geridos com recursos dos próprios hospitais. E que, desde 2012, foram investidos cerca de R$ 3 bilhões no SUS. 
Segundo a assessoria dos hospitais de excelência, os principais benefícios alcançados foram a redução de filas de espera, qualificação de profissionais, pesquisas do interesse da saúde pública e melhoria da gestão de hospitais públicos e filantrópicos.
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A assessoria alegou ainda que os hospitais de excelência do Proadi-SUS atualizam periodicamente o Ministério da Saúde sobre o andamento dos projetos, por meio de rigorosos processos de auditoria interna e externa.