Rio de Janeiro - 03/09/2021 - CIDADE/ RIO / POLICIA / DOMINICAL/ - Entrevista com o novo Secretario de administracao Penitenciaria o Delegado Fernando Veloso Foto : Fabio Costa/ Agencia O DiaFabio Costa/Agencia O Dia

Rio - Quando afirma entender "um pouquinho" de segurança pública, Fernando Veloso quer dizer o oposto. Chefe da Polícia Civil entre 2014 e 2016, o delegado de 56 anos assumiu no último dia 20 de agosto a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), no meio de um dos maiores escândalos recentes do estado: o ex-secretário Raphael Montenegro chegou a ser preso pela Polícia Federal após ser flagrado por escutas negociando a transferência de líderes do Comando Vermelho para o Rio. Ele foi solto, mas a investigação continua. Em entrevista ao DIA, o novo secretário da Seap diz que pretende investir na ressocialização dos presos, promete uma "revolução tecnológica" no sistema prisional para coibir corrupções, e diz que o desafio mais urgente é "restabelecer o moral" do policial penal.
O DIA: O senhor assumiu no olho do furacão. Nessas duas primeiras semanas, deu para perceber qual será o maior desafio à frente da Seap?
VELOSO: É difícil em tão pouco tempo fazer uma avaliação confiável e segura de uma questão que é tão complexa. É como se nós tivéssemos várias prefeituras que dependem das nossas decisões para funcionar. Acho que o maior desafio é restabelecer a integridade e o moral do policial penal. O '01' da pasta foi pego em situação constrangedora. Isso afeta a imagem do policial penal. Mais de 41 mil pessoas que precisam dele para ter sua integridade física garantida, alimentação, cumprimento de ordens judiciais. É um universo de coisas. Esse cara tem de fazer isso todo dia. E se a gente tem um policial penal desmotivado, a gente perde uma grande parte do potencial de trabalho. Isso é um desafio.
OD: Como foi a sua recepção e as primeiras conversas com os policiais penais?
FV: Mais do que conversar e interagir, é o exemplo que você dá. Melhor do que você fala, é o que você faz. A gente já começou a selecionar pessoas a ficarem em cargos que passaram pelo crivo da Inteligência, da Corregedoria. Os policiais penais veem o que a gente está fazendo. Estou otimista por ter a tropa comigo. Nossos interesses são os mesmos. O policial penal do bem, que hoje está envergonhado, triste, vai ver, certamente, que a gente está tentando fazer alguma coisa.
OD: Já foi possível avaliar qual vai ser a prioridade em investimentos? Do quê a Seap precisa mais, num sentido estrutural?
FV: Uma prioridade nossa é revisionar todos os atos da administração anterior. Isso é um trabalho hercúleo, mas que precisa ser feito rápido. Há contratos que a gente precisa saber em que pé estão. A gente precisa promover uma revolução tecnológica. Se há uma pasta que sofre com desvios, com corrupção, a gente tem de ter mecanismos de controle. Não podemos só acreditar que a virtude das pessoas vai resolver isso. Temos um sistema de câmeras que recebeu R$ 28 milhões de reforço do gabinete de intervenção federal (em 2018). Essas câmeras podem fazer até reconhecimento facial, leitura de placa de carro. Mas é como se elas fosse uma Ferrari com uma gasolina batizada. O restante da estrutura não está à altura do objetivo da Seap. O controle das pessoas que entram, que horas entram, isso tem que estar integrado. Não pode ser anotado em um livro.
OD: E quem poderia ter acesso a isso?
FV: A Corregedoria e a Inteligência têm de ter acesso a isso sem ter que pedir para ninguém. A gente precisa encontrar uma maneira para que esses departamentos tenham acesso às câmeras sem ter que informar a ninguém.
OD: Um dos casos investigados pela PF foi o processo de soltura do traficante Abelha, que tinha mandado de prisão ativo, mas foi colocado nas ruas pelo antigo secretário. A Polícia Civil chegou a alertar a Seap. Para além da possível corrupção, que ainda é apurada, há falta de comunicação entre os entes da Segurança Pública?
FV: Isso é objeto da Corregedoria, não vou antecipar com juízo de valor. Não sei se foi falta de comunicação, ou foi outra coisa. Mas o que posso dizer é que a integração entre os entes, atualmente, é muito melhor do que há anos atrás, quando fui subchefe da Polícia Civil (de 2011 a 2014), ou quando assumi a chefia (entre 2014 e 2016). Trabalhamos muito nisso naquele período. Quando há uma soltura de um preso, por exemplo, não sei se o problema é comunicação, não.
OD: Por onde é importante começar o processo de melhorias do sistema prisional?
FV: O sistema penitenciário traz um problema que é urgente: a cadeia está boa, ruim, o preso é perigoso, ou não. Mas há a questão da tal da ressocialização. Eu quero colocar isso na mesa de novo. A gente não pode se deixar sequestrar pelos incêndios do dia a dia e esquecer de discutir a ressocialização. O que eu não quero é cometer os mesmos erros que os meus antecessores, e daqui a dez anos o cara que estiver aqui trabalhar nas mesmas questões.
OD: E como ressocializar?
FV: Não basta dizer para o cara: 'o muro você não vai pular, nem vão te matar aqui dentro'. Se o sistema for só isso aí, é depósito. Não interessa pra gente. É mais do que isso. É preparar aquele sujeito para sair dali. Vou buscar recursos, programas que sejam voltados ao tema da ressocialização.
Há uma lógica que acha que somente dar emprego ao preso resolve. O norte-americano estudou isso desde os anos 1960 e percebeu que superficialmente não resolve. Pessoas que nunca trabalharam, estão na vida do crime desde a adolescência, e passam a trabalhar de segunda à sexta, de 8h às 18h, não vão se adaptar. Ele quer, mas não vai. Há ideias de transição: essa pessoa é inserida em reuniões durante três, ou quatro meses. Depois, ele começa a trabalhar uma ou duas vezes por semana. Só então, com ele adaptado, passa a trabalhar, de fato. Isso dá muito trabalho? Dá, mas se não for assim, a gente assume que não vamos mais ressocializar ninguém.
OD: Na última semana, a Seap realizou apreensões de celulares, roteadores e drogas dentro das celas. As revistas serão fortalecidas?
FV: O que determinei é que isso seja uma rotina. Isso vai ser feito de forma aleatória, indistintamente, na facção X ou Y. Se tem alguma coisa ilícita lá dentro, temos de tirar. Com essas ações, investigações são desencadeadas. Se houver algum tipo de facilitação interna, saberemos nas investigações. O combinado não sai caro. Está dito. Quem insistir, cortaremos na carne. Não faço isso com prazer, não dá prazer colocar policial penal na rua. Mas fazendo isso, estou sendo justo. Se tem alguém facilitando a entrada de telefone - porque tem -, tem outro policial que não gosta. Vou brigar por esse outro.
OD: A investigação da PF sobre a conduta do ex-secretário apontou que os então subsecretários também estavam envolvidos. Há risco de que outros agentes da Seap estejam nesse grupo de corrupção? Houve avanço na apuração interna da secretaria?
FV: É prematuro dizer. As investigações estão em andamento.
OD: A população carioca ficou espantada com a facilidade do ex-secretário em negociar com os líderes do Comando Vermelho. Chefes, secretários da segurança pública dialogam com criminosos, ou são procurados por eles para conversar, prestar favores?
FV: Isso não acontece, e não vai. A população carcerária me conhece. Têm coisas da minha vida profissional que eles lembram e eu nem lembro. Investigações que participei, por exemplo. Eles sabem minha história.