Júri popular de quatro réus pela execução do pastor Anderson do Carmo entra no segundo dia
Os sete membros do júri estão reunidos e a qualquer momento o veredito final pode ser divulgado. Estão sendo julgados dois filhos de Flordelis, além de um PM e sua esposa
Fórum onde está ocorrendo o julgamento dos quatro réus, em Niterói - Fábio Costa / Agência O Dia
Fórum onde está ocorrendo o julgamento dos quatro réus, em NiteróiFábio Costa / Agência O Dia
Rio - O júri popular de quatro réus acusados de envolvimento na morte do pastor Anderson do Carmo em junho de 2019, entrou no segundo dia nesta quarta-feira, no Fórum de Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Estão sendo julgados o filho biológico de Flordelis, Adriano dos Santos Rodrigues, o filho afetivo Carlos Ubiraci Francisco da Silva, o ex-PM Marcos Siqueira Costa e sua esposa Andrea Santos Maia. A audiência já dura mais de 20 horas.
Durante a madrugada, os réus foram interrogados, e a acusação tinha feito a sustentação. Nesta manhã foi a vez da defesa falar. Por volta das 8h, os sete membros do júri se reuniram e a qualquer momento o veredito final pode ser divulgado.
A audiência começou às 11h10 desta terça-feira. A primeira a prestar depoimento como testemunha de acusação foi a delegada Bárbara Lomba, que conduziu o início do inquérito quando era titular da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.
A delegada chamou a atenção para o fato de Lucas, que era vinculado à facção criminosa Comando Vermelho, ter ficado preso no Presídio Bandeira Stampa, no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, que, segundo ela, é destinado a egressos das polícias e milicianos.
"Lucas era envolvido com tráfico de drogas e relata que era da facção Comando Vermelho. Nunca um traficante ficaria no Presídio Bandeira Stampa no sistema penitenciário do Rio de Janeiro. E Lucas estava, junto com Flávio. Houve algum tipo de influência para que Lucas ficasse no mesmo presídio que o Flávio", afirmou.
Foi neste presídio que o ex-policial militar Marcos Siqueira Costa e sua esposa Andrea Santos Maia teriam colaborado para que Lucas redigisse uma carta de próprio punho assumindo a autoria da execução e apontando o irmão afetivo Mizael como mandante do homicídio.
"Lucas revelou envolvimento de Flávio porque percebeu que ficaria tudo sobre ele", disse Bárbara Lomba ao ser interrogada pelo Ministério Público.
Na carta, Lucas dizia que Flordelis não teria sido a mandante do crime, mas sim Mizael. "Com a notícia dessa carta, uma cópia apareceu na delegacia e ficamos sabendo que Lucas estava no Presídio Bandeira Stampa, em que ficam presos milicianos, egressos da PM. Isso foi desfeito imediatamente quando tomamos conhecimento", afirmou.
Bárbara afirmou que a carta não revelava nada e tinha conteúdo vago. Apenas afirmava que Mizael era o mandante sem detalhamento.
As investigações identificaram uma transferência de Flordelis para o filho de Andrea no valor de R$ 2 mil. O filho biológico de Adriano, que está no banco dos réus nesta terça-feira, é apontado no inquérito como responsável por fazer o transporte desta carta, classificada como mentirosa pela delegada.
"O Lucas diz que a carta foi escrita pela Flordelis. Flavio entrega para ele copiar. Quem levou essa ideia foi a Andrea, há o envolvimento do Adriano, que recebe a carta da Andrea e entrega para Flordelis. No telefone dele foi visto uma cópia dessa carta", prosseguiu.
Durante um mandado de busca e apreensão na casa de sogro Luciano, chefe de gabinete de Flordelis, Adriano tentou esconder o aparelho em uma caixa de pizza na casa em Camboinhas, Niterói. "Adriano sempre reagia agressivamente aos cumprimentos de mandados. Ele estava envolvido na fabricação desta carta. O celular dele não era alvo de mandado, mas segundo Lomba, um policial observou uma imagem da carta no aparelho.
No interrogatório, Lacerda também falou sobre o envenenamento do pastor. "Foram encontrados sites de busca, em alguns celulares apreendidos, pesquisas por cianeto e arsênio. Nós fizemos buscas em hospitais da região. (...) Esses exames foram submetidos a perícias e apontavam que todos os sinais apresentados por eles naquela ocasião eram compatíveis com o uso de veneno", detalhou o delegado.
Assim como Bárbara Lomba, o delegado contou sobre a participação de Anderson na vida de Flordelis. "Ele era o cérebro da família. Era o gestor financeiro. Toda a parte financeira passava pela mão dele. Ela tinha a vida eclesiástica e política dela e ele comandava todo o resto".
Ainda conforme Lacerda, no inquérito foi possível concluir que a autoria intelectual é atribuída a Flordelis e os demais envolvidos teriam contribuído com ela para esse objetivo. “Foram feitas diversas tentativas de atingir esse ato. Algumas com assassinos de aluguel e outras com envenenamento", contou o delegado.
No seu relato, o delegado contou também que, segundo se apurou com testemunhas, havia uma divisão na casa. Um grupo que era mais próximo da Flordelis e outra parte mais afastada, essa segunda tinha tratamento diferenciado. Vestimenta diferenciada, acesso a cômodos e alimentação diferentes. A maior parte desses tratados diferentes eram filhos adotados e afetivos.
O delegado lembrou ainda sobre o desentendimento de Anderson do Carmo e Carlos Ubiraci Francisco da Silva (filho afetivo de Flordelis),que também será julgado. A briga entre os dois teria acontecido pelo corte do plano de saúde da família de Carlos Ubiraci. O plano era pago por Flordelis.
Morte até o fim do ano
A ex-esposa de Wagner Andrade Pimenta, o Misael, Luana Pimenta, foi a terceira testemunha a ser ouvida pelo júri. Durante a sua fala, ela relembrou de conversas que teve com Flordelis em que a ex-deputada conta que esperava que o pastor fosse morrer "até o fim do ano". A conversa teria acontecido nos momentos em que a ex-deputada desabafava com Luana, no gabinete da pastoral da pastora, na sua igreja.
"Ela falava que ele ia morrer. Que ele ia ser levado. Deus falou que vai levar ele. Ela me falou inclusive: 'Até o final do ano Deus vai levar ele'.
Luana também contou que, semanas antes da morte do pastor, ele teria comentado com ela e com Misael que estavam planejando sua morte. Nessa conversa, Anderson do Carmo teria, inclusive, mostrado mensagens trocadas entre Marzi e Flordelis como aconteceria o crime. "Cuidado com a Marzi , ela tá tentando me matar", disse o pastor para Luana e Mizael.
Luana também relembrou em depoimento que assim que soube da morte do pastor Anderson, já sabia que Flordelis era a mandante. Segundo a esposa de Mizael, que era tesoureira da igreja da ex-deputada, não tinha como ela desconhecer o crime. "Nada que acontecia na casa era sem o consentimento da Flor. Se hoje um atirou, outro planejou, quem está à frente é ela. Ela tentou dizer que ele (Anderson) fez isso, abusava das crianças, mas a gente sabia que isso não acontecia", contou.
"Perguntamos para ele (Anderson do Carmo) se ele iria para a delegacia, mas ele dizia que era para deixar quieto", disse Misael que pediu para depor sem a presença dos dois irmãos, Flávio dos Santos e Lucas Cezar dos Santos de Souza.
Ele disse que ficou sabendo que o pastor foi baleado ao receber uma ligação de madrugada. Misael teria ido ao hospital e reparado que a pastora estava "toda arrumada". "(...) Quando ela veio falar comigo, eu senti na hora que era teatro. Ela ficou chorando e entrou para o hospital", contou Misael.
Segundo Misael, nos últimos meses antes da morte de Anderson, Flordelis fazia questão de quase sempre falar mal do pastor: "Ela criticava a forma da condução dele da sua carreira, dizia que ele pegava o dinheiro dela e tudo mais. Ela ficava alimentando a raiva", disse.
Em seu depoimento, Alexander Felipe Matos Mendes, o Luan, um dos filhos de Flordelis, disse que a ex-deputada contou para ele que tentava matar Anderson do Carmo.
"Ela falou comigo bem antes, na cozinha da igreja: 'tô matando ele mesmo. Tô colocando veneno na cozinha, só que ele não morre'. Ela falava de uma forma sarcástica, porque as pessoas conheciam ela", detalhou Luan.
Ao descrever o momento que viu o corpo do pastor, Luan chorou e contou quando Flordelis o sugeriu que fosse embora do Brasil.
"Eu vou sempre para os Estados Unidos para o tratamento do meu filho, desde 2007, e você nunca pagou minha passagem e agora quer que eu vá assim. Ela (Flordelis) falou que eu precisava sair do país", lembrou Luan.
O julgamento da ex-deputada, além da sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues, a neta, Rayane dos Santos Oliveira e a filha afetiva Marzy Teixeira da Silva estão marcados para o próximo dia 9 de maio. O julgamento é presidido pela juíza Nearis dos Santos Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói.
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