Filho afetivo de Flordelis é absolvido de homicídio, mas condenado com mais três réus por associação criminosa
Após 22 horas, julgamento terminou por volta das 9h no Fórum de Niterói, na Região Metropolitana do Rio
Da esquerda para direita: o ex-PM Marcos Siqueira Costa; sua esposa Andrea Santos; o filho biológico de Flordelis, Adriano dos Santos Rodrigues e filho afetivo Carlos Ubiraci Francisco da Silva - Reginaldo Pimenta / Agência O Dia
Da esquerda para direita: o ex-PM Marcos Siqueira Costa; sua esposa Andrea Santos; o filho biológico de Flordelis, Adriano dos Santos Rodrigues e filho afetivo Carlos Ubiraci Francisco da SilvaReginaldo Pimenta / Agência O Dia
Rio - O julgamento de quatro réus do caso Flordelis terminou às 9h desta quarta-feira, após 22 horas de duração, no Fórum de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, com quatro condenações. O filho afetivo de Flordelis Carlos Ubiraci foi condenado por associação criminosa, com pena de dois anos e dois meses com início semiaberto, mas foi absolvido do homicídio triplamente qualificado e de tentativa de homicídio contra o pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019.
Todos os quatro réus foram condenados por associação criminosa armada, mas a maioria poderá cumprir pena no regime semiaberto. O filho biológico de Flordelis Adriano dos Santos, um ex-pm e sua mulher também foram condenados por uso de documento ideologicamente falso, por conta de uma carta forjada na cadeia em que Lucas Cézar assume a culpa pelo homicídio e atribui ao irmão afetivo Misael o mando do crime. O documento foi considerado falso durante as investigações. O ex-policial militar Marcos Siqueira estava preso no Presídio Bandeira Stampa, em Bangu, com Flávio dos Santos, filho biológico de Flordelis, e Lucas Cézar, ambos condenados em novembro do ano passado, o primeiro por ser o executor e o segundo pela compra da arma.
fotogaleria
O próprio Ministério Público defendeu a absolvição de Carlos Ubiraci Francisco da Silva por falta de provas. A participação no homicídio seria por conhecimento de que havia tentativas de envenenar o pastor Anderson na casa. Pela primeira vez, na audiência desta quarta-feira, Carlos apontou Flordelis como mandante do crime.
O advogado Gregorio Junior alegou que seu cliente não teve a mesma postura antes, de incriminar Flordelis, por temer por sua vida e de sua família. Carlos, no entanto, foi condenado pelo crime de associação criminosa armada a dois anos, dois meses e 20 dias de reclusão em regime inicialmente semiaberto. O tempo em que ele ficou preso contará para a pena, lhe restando cinco meses a cumprir em regime semiaberto.
"Agora a ex-deputada está presa. O Carlos tem duas filhas adolescentes. Ele temia não só pela vida dele, mas as filhas e a esposa estavam aqui fora (da cadeia). Está comprovado que nada na casa acontecia sem a ordem dela. O Carlos Ubiraci confirmou que ela foi mandante do homicídio consumado e também do (homicídio) tentado com o envenenamento", afirmou o advogado do filho afetivo após o julgamento.
Carlos Ubiraci, segundo sua defesa, passou a ter conhecimento do envenenamento, após sua esposa ter sido vítima ao ingerir uma bebida adulterada na casa, que seria destinada ao pastor Anderson. O advogado afirmou que Carlos não denunciou o caso porque o próprio pastor não acreditava nessas investidas contra sua saúde.
O assistente de acusação Angelo Máximo, que representa a família de Anderson do Carmo, afirmou que recorreu da sentença em relação ao Carlos. Ele alega que o filho afetivo participou da tentativa de homicídio por envenenamento do pastor.
"A assistência de acusação não está satisfeita com a sentença e vai buscar trazê-lo para um novo júri no recurso de apelação. Ele participou de todo o planejamento do crime. Ele sabia do envenenamento, deu auxílio moral e material à prática do crime, comunicando às pessoas da casa a não comerem a comida ou beberem as bebidas do pastor. Ele teve o cuidado de blindar as pessoas ligadas a ele e deixou o pastor a Deus dará", disse.
O filho biológico de Flordelis, Adriano dos Santos foi condenado a quatro anos e seis meses por uso de documento falso e associação criminosa em regime semiaberto.
O ex-policial militar Marcos Siqueira foi condenado a cinco anos e 20 dias de prisão em regime fechado. Marcos cumpria pena no Bandeira Stampa condenado por participar da da Baixada. A sua esposa Andrea Santos, que já tinha cinco passagens pela polícia por estelionato, foi condenada a quatro anos e três meses em regime semiaberto. Ambos por uso de documento falso e associação criminosa armada.
Esse documento falso foi uma carta forjada em que Lucas Cezar dos Santos, filho adotivo de Flordelis, incriminava o irmão Wagner Andrade Pimenta, o Misael, e inocentava a mãe.
O advogado George de Farias, que atendeu o casal, afirmou que a vida pregressa dos dois pesou na decisão do júri. "A vida pregressa acabou prejudicando eles. Mas, a gente sai satisfeito", afirmou. Andrea tinha cinco anotações criminais. Segundo sua defesa, ela era dona de uma empresa de festas que faliu e por isso ela não havia conseguido honrar os compromissos, sendo processada.
O promotor Carlos Andrade afirmou que o Ministério Público saiu satisfeito do julgamento desta quarta-feira (13)." Foi feita a Justiça. A gente ainda vai analisar com calma as minúcias da sentença. Depois de 24 horas de júri não tem condição de esmiuçar como deve ser feito. A gente vai olhar com calma. Os quatro foram condenados. A manifestação do MP foi praticamente integralmente acolhida", comemorou o promotor Carlos Andrade.
No total, foram ouvidas 12 testemunhas, nove de acusação e três de defesa. Outras quatro testemunhas foram dispensadas. Depois, os quatro réus foram interrogados e, em seguida, acusação e defesa fizeram suas sustentações. Às 7h40 desta quarta-feira o júri se reuniu para votar e a sentença saiu às 9h.
Devido ao número de réus no processo, a sessão precisou ser dividida e Flordelis, sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues, a neta, Rayane dos Santos Oliveira e a filha afetiva Marzy Teixeira da Silva serão julgadas no dia 9 de maio. A audiência também será presidida pela juíza Nearis dos Santos Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói, e representa o julgamento do "núcleo duro" da ex-deputada.
Como foi o julgamento
A audiência começou às 11h10 de terça-feira. A primeira a prestar depoimento como testemunha de acusação foi a delegada Bárbara Lomba, que conduziu o início do inquérito quando era titular da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.
A delegada chamou a atenção para o fato de Lucas, que era vinculado à facção criminosa Comando Vermelho, ter ficado preso no Presídio Bandeira Stampa, no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, que, segundo ela, é destinado a egressos das polícias e milicianos.
"Lucas era envolvido com tráfico de drogas e relata que era da facção Comando Vermelho. Nunca um traficante ficaria no Presídio Bandeira Stampa no sistema penitenciário do Rio de Janeiro. E Lucas estava, junto com Flávio. Houve algum tipo de influência para que Lucas ficasse no mesmo presídio que o Flávio", afirmou.
Foi neste presídio que o ex-policial militar Marcos Siqueira Costa e sua esposa Andrea Santos Maia teriam colaborado para que Lucas redigisse uma carta de próprio punho assumindo a autoria da execução e apontando o irmão afetivo Misael como mandante do homicídio.
"Lucas revelou envolvimento de Flávio porque percebeu que ficaria tudo sobre ele", disse Bárbara Lomba ao ser interrogada pelo Ministério Público.
Na carta, Lucas dizia que Flordelis não teria sido a mandante do crime, mas sim Misael. "Com a notícia dessa carta, uma cópia apareceu na delegacia e ficamos sabendo que Lucas estava no Presídio Bandeira Stampa, em que ficam presos milicianos, egressos da PM. Isso foi desfeito imediatamente quando tomamos conhecimento", afirmou.
Bárbara afirmou que a carta não revelava nada e tinha conteúdo vago. Apenas afirmava que Misael era o mandante sem detalhamento.
As investigações identificaram uma transferência de Flordelis para o filho de Andrea no valor de R$ 2 mil. O filho biológico de Flordelis Adriano foi condenado como responsável por fazer o transporte desta carta, classificada como mentirosa pela delegada.
"O Lucas diz que a carta foi escrita pela Flordelis. Flavio entrega para ele copiar. Quem levou essa ideia foi a Andrea, há o envolvimento do Adriano, que recebe a carta da Andrea e entrega para Flordelis. No telefone dele foi visto uma cópia dessa carta", prosseguiu.
Durante um mandado de busca e apreensão na casa de sogro Luciano, chefe de gabinete de Flordelis, Adriano tentou esconder o aparelho em uma caixa de pizza na casa em Camboinhas, Niterói. "Adriano sempre reagia agressivamente aos cumprimentos de mandados. Ele estava envolvido na fabricação desta carta. O celular dele não era alvo de mandado, mas segundo Lomba, um policial observou uma imagem da carta no aparelho.
A delegada disse ainda que conversas de Flordelis com seus filhos sugeriam um "aval" para o assassinato do religioso. "As comunicações eram sempre na sutileza. É como se as pessoas fossem tomar a iniciativa, mas já de uma forma preordenada, como se elas fossem indicadas a fazer isso. Pode não ter havido um mando direto, mas havia um aval. As pessoas envolvidas eram justamente as pessoas que poderiam ser manipuladas".
No interrogatório, Lacerda também falou sobre o envenenamento do pastor. "Foram encontrados sites de busca, em alguns celulares apreendidos, pesquisas por cianeto e arsênio. Nós fizemos buscas em hospitais da região. (...) Esses exames foram submetidos a perícias e apontavam que todos os sinais apresentados por eles naquela ocasião eram compatíveis com o uso de veneno", detalhou o delegado.
Assim como Bárbara Lomba, o delegado contou sobre a participação de Anderson na vida de Flordelis. "Ele era o cérebro da família. Era o gestor financeiro. Toda a parte financeira passava pela mão dele. Ela tinha a vida eclesiástica e política dela e ele comandava todo o resto".
Ainda conforme Lacerda, no inquérito foi possível concluir que a autoria intelectual é atribuída a Flordelis e os demais envolvidos teriam contribuído com ela para esse objetivo. "Foram feitas diversas tentativas de atingir esse ato. Algumas com assassinos de aluguel e outras com envenenamento", contou o delegado.
No seu relato, o delegado contou também que, segundo se apurou com testemunhas, havia uma divisão na casa. Um grupo que era mais próximo da Flordelis e outra parte mais afastada, com vestimenta diferenciada, acesso a cômodos e alimentação diferentes. A maior parte deles eram filhos adotados e afetivos.
O delegado lembrou ainda o desentendimento de Anderson do Carmo e Carlos Ubiraci Francisco da Silva (filho afetivo de Flordelis). A briga entre os dois teria acontecido pelo corte do plano de saúde da família de Carlos Ubiraci. O plano era pago por Flordelis.
Morte até o fim do ano
A ex-esposa de Wagner Andrade Pimenta, o Misael, Luana Pimenta, foi a terceira testemunha a ser ouvida pelo júri. Durante a sua fala, ela relembrou de conversas que teve com Flordelis em que a ex-deputada conta que esperava que o pastor fosse morrer "até o fim do ano". A conversa teria acontecido nos momentos em que a ex-deputada desabafava com Luana, no gabinete da pastoral, na sua igreja.
"Ela falava que ele ia morrer. Que ele ia ser levado. Deus falou que vai levar ele. Ela me falou inclusive: 'Até o final do ano Deus vai levar ele'.
Luana também contou que, semanas antes da morte do pastor, ele teria comentado com ela e com Misael que estavam planejando sua morte. Nessa conversa, Anderson do Carmo teria, inclusive, mostrado mensagens trocadas entre Marzi e Flordelis como aconteceria o crime. "Cuidado com a Marzi , ela tá tentando me matar", disse o pastor para Luana e Misael.
Luana também relembrou em depoimento que assim que soube da morte do pastor Anderson, já sabia que Flordelis era a mandante. Segundo a esposa de Mizael, que era tesoureira da igreja da ex-deputada, não tinha como ela desconhecer o crime. "Nada que acontecia na casa era sem o consentimento da Flor. Se hoje um atirou, outro planejou, quem está à frente é ela. Ela tentou dizer que ele (Anderson) fez isso, abusava das crianças, mas a gente sabia que isso não acontecia", contou.
"Perguntamos para ele (Anderson do Carmo) se ele iria para a delegacia, mas ele dizia que era para deixar quieto", disse Misael que pediu para depor sem a presença dos dois irmãos.
Ele disse que ficou sabendo que o pastor foi baleado ao receber uma ligação de madrugada. Misael teria ido ao hospital e reparado que a pastora estava "toda arrumada". "(...) Quando ela veio falar comigo, eu senti na hora que era teatro. Ela ficou chorando e entrou para o hospital", contou Misael.
Segundo Misael, nos últimos meses antes da morte de Anderson, Flordelis fazia questão de quase sempre falar mal do pastor: "Ela criticava a forma da condução dele da sua carreira, dizia que ele pegava o dinheiro dela e tudo mais. Ela ficava alimentando a raiva", disse.
Em seu depoimento, Alexander Felipe Matos Mendes, o Luan, um dos filhos de Flordelis, disse que a ex-deputada contou para ele que tentava matar Anderson do Carmo.
"Ela falou comigo bem antes, na cozinha da igreja: 'tô matando ele mesmo. Tô colocando veneno na cozinha, só que ele não morre'. Ela falava de uma forma sarcástica, porque as pessoas conheciam ela", detalhou Luan.
Ao descrever o momento que viu o corpo do pastor, Luan chorou e contou quando Flordelis o sugeriu que fosse embora do Brasil.
"Eu vou sempre para os Estados Unidos para o tratamento do meu filho, desde 2007, e você nunca pagou minha passagem e agora quer que eu vá assim. Ela (Flordelis) falou que eu precisava sair do país", lembrou Luan.
Defesa de Flordelis sustenta versão de abuso sexual
A advogada da ex-deputada federal Flordelis, Janira Rocha, afirmou na terça-feira (12) que vai demonstrar "quem realmente era o pastor" Anderson do Carmo, morto em junho de 2019. A defesa da pastora, que também defende a neta da parlamentar Rayane Oliveira e a filha afetiva Marzy Teixeira, compareceu ao Fórum de Niterói para acompanhar o tribunal do Júri dos quatro acusados de terem participado do homicídio. O júri final com a parlamentar será no dia 9 de maio.
A advogada afirmou que vai questionar o incriminamento de Flordelis baseado em versões de parte dos seus filhos. "Achamos que esse núcleo de filhos tem interesse em fazer essas alegações", disse. "A maioria dos filhos defende a parlamentar", argumentou.
Janira Rocha seguiu afirmando que a vítima do homicídio cometia abusos na casa. "Vamos demonstrar que tipo de práticas o pastor teve dentro da casa em relação às mulheres. Abusos sexuais, morais e patrimoniais praticados contra Flordelis", completou a advogada.
O advogado da família de Anderson classificou a estratégia da defesa de Flordelis como covarde e negou que Anderson tenha cometido abusos sexuais. Após entrar no plenário, o advogado Ângelo Máximo, assistente de acusação, retornou para acrescentar à imprensa que caso o pastor tivesse cometido abusos, não justificaria ter sido executado.
"Acho a tese da mais covarde a se apresentar ao tribunal do júri atacando a pessoa da vítima que não está aqui para se defender", afirmou Ângelo Máximo.
A defesa da família da vítima acrescentou que as mulheres da casa não citaram abusos sexuais em depoimentos à polícia. "Por mais que houvesse abuso sexual, Flordelis teria participação por omissão, já que era a mãe", ponderou Ângelo Máximo.
Interrogada pelo assistente de acusação, a delegada Bárbara Lomba afirmou que as mulheres apontadas como terem sofrido abuso sexual por parte de Anderson do Carmo negaram este fato.
O advogado ainda ressaltou que três familiares de Anderson morreram durante o processo. O último deles foi o pai da vítima, Jorge de Souza, que sofreu um infarto em dezembro do ano passado. A irmã, Michele do Carmo, e a mãe, Maria Edna do Carmo, também faleceram de causas naturais.
"Atacar a pessoa da vítima é fácil. Eu quero ver reverter as provas do processo que mostram que ela é a mandante do homicídio com a participação de todos os filhos que serão julgados. Já foi um rastro de destruição dessa maldade que fizeram com o Anderson. A defesa poderia poupar a família do Anderson e o próprio, que onde estiver, possa descansar em paz apesar da brutalidade do homicídio contra ele", afirmou o assistente de acusação.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.