Gabriel Monteiro durante audiência na Câmara dos vereadores, no Centro do Rio de Janeiro, nesta quinta (18)Sandro Vox/Agência O Dia

Rio - Com 48 votos a favor, a Câmara de Vereadores do Rio decidiu, na noite desta quinta-feira (18), pela cassação do mandato de Gabriel Monteiro (PL) por quebra de decoro parlamentar. Somente o vereador Chagas Bola e o próprio Monteiro votaram contra a cassação. O agora ex-vereador é investigado por filmar e ter relações sexuais com uma adolescente de 15 anos, estupro e por forjar vídeos na internet. Com a decisão, Monteiro se torna inelegível ao cargo de vereador por oito anos, no entanto, ainda pode concorrer ao cargo de deputado federal nas eleições de 2022.
Essa é a segunda vez que um vereador é cassado na história da Câmara. A primeira vez aconteceu em 2021, quando o agora ex-vereador Jairo Souza Santos Júnior, Dr. Jairinho, também teve o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar. Ele está preso desde abril, acusado de torturar e matar o enteado, Henry Borel, de 4 anos, no apartamento onde vivia com a mãe da criança, Monique Medeiros — também presa pelo crime.

No lugar de Monteiro, quem deve assumir é o suplente Matheus Floriano, que deve ser convocado para a diplomação no cargo de vereador nos próximos dias.
Após o resultado, o relator do processo Chico Alencar (Psol) se mostrou otimista com o futuro da política diante do resultado. "Nós sempre nos empenhamos nesse processo, entendendo que esse comportamento lembra a péssima tradição brasileira, oligárquica, contra os mais vulneráveis. Hoje a Câmara disse não, um resultado bem expressivo. Isso é muito bom para a política, para a cidade do Rio e do Brasil. Aqueles que têm comportamento bárbaro tem que ser banidos da vida pública. O resto é com a Justiça. Estamos encaminhando agora a decisão do TRE, quase unanime", disse.
Alexandre Isquierdo, membro da Conselho Ético, também comentou sobre o resultou ao fim da sessão. "Nesses 128 dias de trabalho fomos coesos, responsáveis e imparciais. O resultado de 48 votos a favor mostra isso. A gente sabe que a cassação de dois vereadores não é algo para se comemorar, mas trouxemos hoje uma resposta à população", disse.
"O parlamento é soberano sempre e foi decidido da melhor forma, respeitando a posição de cada um dos vereadores aqui representados, sejam eles de esquerda, direita ou centro", afirmou o vereador presidente da Câmara, Carlos Caiado.
A sessão
O agora ex-vereador permaneceu inquieto e de cabeça baixa na maior parte da sessão, quase sempre ao telefone. Antes da votação, Gabriel Monteiro teria tentado, sem sucesso, reverter votos pela sua cassação. A campanha correu também dentro do plenário, em que o parlamentar foi flagrado conversando ao pé do ouvido com colegas vereadores, entre eles Márcio Santos e Chagas Bola.
A sessão na Câmara do Rio, iniciada às 16h desta quinta-feira (18), foi marcada por clima hostil entre apoiadores de Gabriel, manifestantes e vereadores presentes. Por vários momentos as falas dos parlamentares, que têm 15 minutos para discursar sobre o relatório, foram interrompidas até que os gritos fossem cessados. Por conta disso, a votação atrasou.
O presidente da Câmara Municipal, Carlo Caiado (sem partido), também precisou intervir e ameaçou retirar as pessoas que não respeitassem o pedido de silêncio. "Eu peço que a segurança possa identificar quem não estiver respeitando. Que esses possam ser retirados", disse Caiado.
No momento da sua defesa, o tempo de fala de Monteiro também foi interrompido em diversos momentos por gritos de "estuprador" e "pedófilo". O ex-vereador iniciou o discurso falando sobre os ex-assessores. "Poucas pessoas me conhecem de fato, poucas sabem quem é o Gabriel Monteiro de Oliveira. Ele [se referendo a um de seus assessores que estava na galeria] sabe que eu jamais ameaçaria a família dele ou faria algum mal. A prova é que meus ex-assessores estão aqui. Se um dia eles precisarem, eu faria de tudo para ajudar, eles sabem que não sou pedófilo, estuprador e matador".
Gabriel voltou a insinuar que os outros vereadores precisavam se colocar no lugar dele. Ele se coloca como vítima dos próprios ex-assessores. "Eu só peço que os senhores não me joguem para a cova dos leões, se não tem condenação, se não tem provas fatais sobre mim. Hoje, venho humildemente pedir aos senhores para continuar o meu mandato e ser um vereador melhor a cada dia", disse ele durante o discurso.
Ao fim das duas horas disponibilizadas pela defesa, foi a vez dos líderes de partidos discursarem sobre a recomendação de voto. Um dos discursos foi de Tarcísio Mota.
"Não vamos cair aqui nessa balela de que essa decisão é única e exclusivamente a opinião de um vereador. Gabriel Monteiro deve perder o seu mandato por falta de decoro e ética. Não estamos julgando o vereador pelos crimes aqui citados, isso cabe à Justiça", disse.
O vereador ainda citou as menores que Gabriel se relacionou: "Novinhas são crianças, novinhas são adolescentes e não podem ser troféus. Se fosse um professor que fizesse o mesmo, mostrasse o pênis para outros, que fizesse sexo com menores e filmasse, pediríamos para ele ser suspenso? Não, pediríamos para afastá-lo. Isso é um absurdo o que ele fez aqui, que é tirar de contexto um áudio de uma vítima de estupro. Por tudo isso, a bancada do PSOL encaminha pela cassação do mandato."
A vereadora Laura Carneiro também discursou. "Como pode, ele vir aqui para desqualificar a vítima. Ele pergunta: 'porque eu gravaria e criaria prova contra mim'. Vocês acham que o que? Que a mulher filmou seu próprio estupro. Vocês imaginam o que é uma mulher ter que provar que foi estuprada", questionou,
Quem é Gabriel Monteiro
Terceiro vereador mais votado na cidade do Rio nas eleições de 2020, Gabriel Monteiro (PL) ocupou uma cadeira na Câmara do Rio para representar 60.326 cariocas que se identificaram com o seu perfil de 'justiceiro'. Imagem essa que foi construída antes mesmo de seguir a carreira política.

Gabriel foi policial militar durante quatro anos e começou a ser conhecido, e reconhecido nas ruas, por fazer acusações de corrupção dentro da corporação. Em 2020, ele se envolveu em uma grande polêmica ao desrespeitar o ex-comandante geral da Polícia Militar, Íbis Silva Pereira. Se apresentando falsamente como um estudante, ele tentou gravar um vídeo, sem autorização, abordando o comandante e o questionando sobre o seu envolvimento com traficantes do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio.

Íbis percebeu as intenções de difamação por parte de Gabriel e o penalizou. O então soldado perdeu o porte de armas temporariamente e foi condenado a indenizar o coronel em 40 salários mínimos por danos morais.

Cinco meses depois, ele voltou a sofrer sanções na corporação. No dia 4 de agosto de 2020, Monteiro foi afastado da Polícia Militar acusado de deserção, como é previsto no artigo 187 do código penal militar, após não ter comparecido ao trabalho. Ele era lotado no 14º BPM (Bangu) e faltou ao serviço para o qual foi escalado em 22 de julho e ficou até o dia 31 sem dar qualquer satisfação. No dia 14, Gabriel comunicou em suas redes sociais a sua saída da PM para focar na carreira política.

Imagem de 'justiceiro'

A partir desta nova imagem que Monteiro desejava construir, ele investiu em vídeos que tiveram grande repercussão midiática. Uma de suas "marcas" no Youtube, plataforma onde publica vídeos sobre corrupção, críticas ao feminismo e outras pautas sociais, é de filmar conversas com pessoas na rua questionando seus posicionamentos políticos. Na maior parte, o fim do vídeo terminava com o contraponto de Gabriel.

No período de campanha eleitoral, Gabriel Monteiro também se envolveu em novas polêmicas. Com a imagem de 'justiceiro' consolidada nas redes sociais, o então candidato a vereador chamou a atenção da Polícia Civil por andar cercado por homens armados com escopetas, além de máscaras e blusas do personagem Justiceiro, da Marvel. Os seguranças também utilizavam um distintivo não regulamentado em nenhuma corporação, mas que pode ser comprado em lojas de fantasia e artigos militares.

A Polícia Civil chegou a instaurar um inquérito para investigar tal prática. A PM, as polícias Civil e Federal afirmaram que não cederam nenhum de seus agentes para fazer a segurança do candidato.

Em 2021, Gabriel profissionalizou os vídeos no Youtube e passou a investir nas produções e publicações diárias, em razão da monetização que recebia do YouTube, o que lhe rendia cerca de R$ 300 mil mensais. Sob o pretexto de fiscalizar as condições de funcionamento de instalações públicas, Gabriel passou a entrar em hospitais cercado por assessores com celulares em mãos e filmando as investidas. Uma dessas fiscalizações aconteceu na UPA de Magalhães Bastos, na Zona Oeste do Rio, em novembro de 2021.
Um médico que estava de plantão na unidade denunciou ter sido ameaçado pelo vereador Gabriel Monteiro e sua equipe de seguranças. O profissional estava em horário de descanso quando o parlamentar entrou na unidade de saúde buscando os médicos. Segundo ele, Monteiro e seus seguranças estavam armados e teriam constrangido a equipe.

"Eu fui tirar a minha hora e meia, as minhas duas horas, quando nós fomos abordados, com total falta de respeito. Eu nunca imaginei na minha vida que eu seria acordado por pessoas armadas do meu lado. Não sou contra vistorias, acompanhar o funcionamento da unidade de saúde, mas não estamos falando disso", disse o médico na época.

Vídeos forjados e acusação de estupro
No início deste ano, Monteiro se envolveu em mais uma acusação, dessa vez com um empresário que prestava serviços de reboque e de depósito de veículos para a Prefeitura do Rio. Na época, o ex-PM afirmou que Pedro Rafael da Silva Sorrilha tentou suborná-lo para não fiscalizar as instalações da empresa. O parlamentar ainda afirma que a testemunha forjou provas contra ele.
Logo depois, o 'Fantástico' exibiu uma reportagem com depoimentos de ex-funcionários que o acusaram de forjar vídeos para o Youtube, de estupro e de abuso sexual.
Em um dos vídeos, um funcionário de Gabriel aparece induzindo um morador em situação de rua a pegar a bolsa de uma mulher. Ele orienta ainda que homem aproveite o momento em que a mulher possivelmente espera por um carro de aplicativo e ainda afirma que a vítima não vai perceber porque "é autista, largada, e nem se liga nas coisas".
Os dois chegam a acertar um valor de R$ 400 para executar a ação proposta. Quando o morador de rua segue para fazer o combinado, pega a bolsa da mulher "desatenta" e joga por cima de um veículo, o objeto cai no meio da rua. É o momento em que Gabriel Monteiro aparece interrogando o morador em situação de rua.
Em um outro vídeo, Monteiro aparece com uma criança em um shopping a induzindo dizer que estava sem comer para comover os seguidores. Ao fim do vídeo, o parlamentar aparece dando um lanche para a menina. Ambos os vídeos foram objetos de investigação no processo por quebra de decoro na Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores.
Após a reportagem, novos vídeos circularam nas redes sociais em que Gabriel aparece fazendo sexo com mulheres. Em um dos casos, o parlamentar aparece filmando a relação sexual que teve com uma adolescente de 15 anos. Segundo depoimento de ex-assessores de Monteiro, ele gabava por ter relacionamentos com menores de idade e os considerava um grande feito. "Algumas delas iriam até de uniforme lá. Iam de uniforme, o próprio Gabriel mostrava para a gente que as garotas eram bem novas. Inclusive tratava isso como um grande feito na vida dele, porque falava que a gente não conseguiria fazer aquilo ali nunca", disse. Ex-funcionários contam ainda que a equipe chegava a brincar com a situação colocando a música da "Galinha Pintadinha", tema do desenho infantil, sempre que a menor chegava à residência de Monteiro.
O relacionamento de Gabriel Monteiro com a menor de idade foi objeto de inquérito policial na 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes), que resultou no indiciamento por crimes sexuais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na sequência, o vereador virou réu por ter relações sexuais com a menor, com quem também teria filmado as relações e mantido o material.
Já em abril deste ano, Gabriel se tornou alvo de denúncias de estupro por três mulheres diferentes, que afirmam que a relação com o parlamentar iniciou sendo consentida mas acabou em violência.